A arte de descrever as relações humanas

É na infância que se descobre as primeiras paixões. Ler, escrever, compor, tocar um instrumento. O cooperado Eberth Franco Vêncio escolheu várias delas ainda criança e as carrega consigo até hoje. Com vários livros lançados e uma coluna semanal na Revista Bula, o médico mantém suas paixões vivas e ativas.

"Eu escrevia, naqueles tempos, historietas misturadas com brincadeiras e todo o toque de criança. Era uma coisa meio instintiva. Hoje, escrever é para mim uma forma de protestar contra as iniquidades do mundo, uma espécie de terapia para não entrar em parafuso. É minha forma de espairecer. Falo que é minha ‘pinga’, onde afogo as mágoas e esqueço os problemas", analisa o ginecologista.

Eberth Franco Vêncio

Há mais de dez anos, ele dedica-se a escrever crônicas para a Revista Bula, um dos periódicos mais respeitados e lidos de literatura do país, sob a tutela do editor e jornalista Carlos Willian. Ele escreve sobre temas variados e é daqueles que se interessam por tudo, tornando esse interesse matéria-prima para seus textos, desde a conversa na sala de espera de seu consultório até análises de especialistas sobre determinados casos da medicina.

"Na adolescência, influenciado pelas companhias, descobri a arte. Escrevi poesias, músicas. Aprendi a tocar violão, me apresentei em festivais, todos de música, de literatura, de poesia falada. Sempre fui apaixonado por arte", conta Eberth.

Além de ter sido incluído várias vezes em livros de antologia junto a outros colegas escritores, ele publicou seu único livro de poesias em 1999, "Faz de conta que somos felizes", cuja edição está esgotada. Há 18 meses, o cooperado publicou seu primeiro livro de crônicas, intitulado “Bipolar”. Com curadoria do amigo Carlos Willian, foram selecionados os melhores textos publicados pelo médico nos últimos anos. “Foi um desafio incrível e muito gratificante. Foi muito bem recebido na cidade, elogiado, e está disponível para venda na internet”, diz.

Com um olhar pessimista e desiludido sobre os acontecimentos do mundo, mas com uma narrativa visceral e irônica ao ponto de provocar o riso, Vêncio demonstra na obra que a tristeza e a ausência de esperança podem virar humor. “Utilizo bastante ironia, sarcasmo, deboche das situações e até humor negro em relação às coisas pessimistas que escrevo”.

Para o médico cooperado, a sociedade está cada dia mais vazia do ponto de vista existencial, e expor isso em forma de texto já é um meio de se atentar e abrir os olhos dos outros. “As pessoas estão vivendo mais, a expectativa de vida aumentou, mas elas vivem infelizes e sozinhas. A aproximação proporcionada pela tecnologia é vaga e rasa, ainda precisamos de um ser humano para um abraço caloroso e reconfortante”, garante.

Ao ser questionado se existe interferência do ofício de escritor na profissão de médico, ele supõe que seja o contrário. O ofício diário da medicina oferece material vasto, interessantíssimo, que o escritor tem utilizado, frequentemente, com muito critério e ética, na construção dos seus textos, uma vez que a maioria deles aborda os dilemas e as mazelas vividas pelo ser humano nesse planeta. “Ouço conversas na sala de espera dos consultórios, ouço meus pacientes reclamarem de problemas comuns para mim, com isso, vou construindo meu acervo de ideias e inspirações”, revela.

Trecho do Livro “Bipolar”

“Pode soar falso. Pode parecer frescura. Pode ser que eu seja mesmo um fofo. Na verdade, eu confesso que tenho muita dificuldade para lidar com os elogios. Eu simplesmente me embanano todo, perco o rebolado. Vocês supõem saber quem eu sou. Mas vocês não me conhecem. Portanto, é chegada a hora de entenderem um pouco mais a meu respeito, se é isso que lhes interessa mais do que uma cólica renal no meio de um feriado prolongado. Vou ser curto e grosso. Vou dizer tudo o que sei de mim. Daquilo que eu não sei, voaremos juntos, burros feitos uma porta. Pra início de conversa: não sou essa Coca-Cola toda que vocês estão pensando. Eu pareço culto. Eu não sou tão culto assim. Eu não resistiria a meia hora de exumação dos clássicos da literatura com os imortais mais vaidosos de uma academia de sopa de letrinhas. Pior que tudo, a memória trai-me a todo instante. Não me lembro dos nomes dos livros, dos autores consagrados, dos protagonistas marcantes, das gororobas que comi hoje no almoço, dessa mulher deitada ao meu lado. Eu juro, meu amor: não é nada disso que você está pensando. Percebem? O meu caso é ainda mais grave que a queda do trema.”