Saúde privada acumula fraudes de R$ 20 bi e falta de controle, aponta estudo

Com fraudes na saúde privada estimadas em R$ 20 bilhões anuais, o Brasil não dispõe de mecanismos efetivos de controle e transparência para prevenir e combatê-las. A conclusão é de um estudo inédito do Instituto de Estudos da Saúde Suplementar (IESS) e da consultoria PwC Brasil, que estima que em 2016 o total de gastos relacionados a fraudes tenha respondido por 15% das despesas assistenciais (R$ 11 bilhões com hospitais e R$ 9 bilhões em exames).

Naquele ano, veio à tona a chamada “máfia das próteses”, esquema em que empresas pagaram propinas a profissionais da medicina e hospitais para que usassem produtos superfaturados em detrimento de outros mais baratos ou mais adequados. Até cirurgias desnecessárias foram feitas, segundo as investigações.

Luiz Carneiro

Desde então, surgiram projetos de lei, iniciativas interministeriais e privadas para tentar coibir as fraudes na saúde, mas elas pouco avançaram. “Faltou vontade política e popular. Mas parece que o novo governo está mais interessado em combater as fraudes e a corrupção na saúde”, afirma Luiz Carneiro, superintendente Executivo do IESS.

Estudos internacionais apontam três práticas para combater fraudes na saúde: leis anticorrupção que resultem em multas e sentença penal; transparência por meio da adoção de tecnologias (prontuário eletrônico, softwares financeiros etc.) e novos modelos de pagamento. Também falta um sistema centralizado e mais acessível com dados sobre profissionais cassados. Segundo o estudo, há pessoas condenadas por crimes que tiveram a licença profissional suspensa em determinado estado, mas que mantêm o registro ativo em outros.

Nos EUA, a população pode pesquisar em uma base de dados do governo federal informações como cassações de registros e eventuais vínculos com a indústria da saúde. Pode saber, por exemplo, se alguém da área de cardiologia recebe incentivos de farmacêuticas.

José Fernando Maia Vinagre

Em entrevista por e-mail, José Fernando Maia Vinagre, corregedor-geral do Conselho Federal de Medicina (CFM), diz que o conselho repudia qualquer insinuação de corporativismo na análise e julgamento de processos e que o trabalho é conduzido com respeito às regras legais, dando aos denunciados amplo direito à defesa e ao contraditório. Diz ainda que os conselhos têm adotado medidas administrativas internas com objetivo de reduzir o tempo de tramitação dos processos.

Vinagre diz estranhar a informação de que profissionais com licença cassada em um estado mantenham registro ativo em outros, uma vez que, após a cassação, ela entra num sistema nacional de informações. Ele diz que os conselhos dão ampla divulgação às penas, que são publicadas em diários oficiais e veículos de comunicação de grande circulação.

A pesquisa cita vários exemplos de outros países que poderiam inspirar o Brasil no avanço de legislações e outras medidas no combate e prevenção às fraudes na saúde. Nos EUA e na África do Sul, um dos instrumentos é a participação da sociedade na fiscalização. O informante (whistleblower, ou reportante numa tradução livre) recebe proteção e recompensa federal por passar informações consistentes sobre práticas de corrupção que acarretem na condenação das pessoas envolvidas. Isso já foi discutido no Congresso Nacional brasileiro, mas, no final, a proposta foi vetada.

Segundo o Departamento de Justiça dos EUA, por ano, são recuperados mais de US$ 2 bilhões de fraudes no setor de saúde graças a essas informações. Em 2017, foram US$ 3,7 bilhões, dos quais 64% vieram de ações e acordos com empresas do setor de saúde.

Breno de Faria

“Para controlar melhor os múltiplos fatores que contribuem para essa situação, a Cooperativa tem adotado uma série de medidas como a implantação de um Escritório de Compliance, difusão do Código de Condutas Unimed e do Canal de Denúncias de Violações ao Código, controle do Índice de Exames por consulta (ISE), investimento no novo modelo de remuneração por DRG, novas tecnologias e fortalecimento das negociações com fornecedores e o novo processo de alta segura”, informa o presidente da Cooperativa, Breno de Faria.

Como acontecem as fraudes

Entre pessoas beneficiárias do plano, profissionais da medicina e operadora de saúde

– O usuário ou a usuária omite a existência de doença pré-existente.
– O usuário ou a usuária empresta a carteirinha de seu plano para uma outra pessoa.
– O médico ou a médica, com a concordância da pessoa beneficiária do plano, informa o serviço diferente do realizado para obter cobertura do plano.
– Valores dos serviços são majorados para aumentar o reembolso a ser recebido do plano.

Entre prestadores de serviços de saúde e operadora de saúde

– O hospital declara ao plano que utilizou um número maior de materiais ou diz que utilizou produtos de melhor qualidade (e cobra por isso) do que efetivamente usou.
– O médico ou a médica prolonga desnecessariamente o período de internação para aumentar o número de diárias do plano de saúde.

Entre fornecedores e profissionais de saúde

– Fornecedores ou seus distribuidores oferecem uma porcentagem de comissão ao profissional para que indique ou use seu medicamento ou dispositivo médico.
– O médico ou a médica indica um tratamento ou medicamento que não é coberto pelo plano ao paciente. Profissional da advocacia, em conluio com o médico ou a médica, judicializa a demanda para que o plano seja obrigado a pagar. Assim, podem receber comissões de fornecedores e distribuidores.

Entre operadoras contra os demais agentes

– O plano de saúde veta (glosa) pagamentos a hospitais de maneira injustificada com objetivo de manter o capital de giro ou diminuir o valor a ser pago.
– O plano de saúde atrasa intencionalmente o pagamento de contas.
– Conflito de interesse de acionista em comum de operadora de plano de saúde e hospital, que utiliza sua posição para beneficiar as operações da operadora.

Fonte: Abramge e Unimed Goiânia.