Aproveitando a vinda ao Brasil do médico italiano Marco Bobbio, convidado pelo evento Conecta Saúde, promovido pela Federação dos Hospitais, Clínicas e Laboratórios do estado de São Paulo, a assessoria de imprensa da Unimed Goiânia fez uma entrevista especial para a Revista Coletiva sobre o excesso de exames e procedimentos médicos a que são submetidos os pacientes em diversos países do mundo, uma das maiores críticas do médico à medicina moderna.
Ir além do necessário, ou seja, usar drogas e tratamentos quando o paciente não precisa é justamente o assunto do seu novo livro, Troppa medicina (título que pode ser traduzido como Medicina demais). Esse assunto também é uma das preocupações da Slow Medicine (Medicina Lenta), movimento internacional do qual é secretário-geral.
A “Slow Medicine” resgata a primazia do tempo na ciência e na arte de cuidar, segundo os princípios expostos em seu site (https://www.slowmedicine.com.br). Tempo para ouvir, tempo para refletir, tempo para construir relações sólidas e duradouras entre médicos, pacientes, famílias e comunidade.
Trata-se de uma filosofia e de uma prática médica que buscam oferecer o melhor cuidado ao paciente, baseando-se nas melhores evidências científicas, centrando o foco no paciente e em seus valores, elaborando decisões ponderadas e cautelosas, sempre que possível compartilhadas. A proposta é de um cuidado que busque a tecnologia apropriada à singularidade de cada paciente e de sua situação vivencial, tendo como premissa que nem sempre fazer mais significa fazer o melhor.
No Brasil, o movimento é representado pelos médicos José Carlos Aquino de Campos Velho (geriatra e clínico geral), Dario Birolini (cirurgião geral), Kazusei Akiyama (clínico geral) e Vera Anita Bifulco (psicóloga).
Leia abaixo uma prévia da entrevista que será publicada na edição de setembro/outubro da Revista Coletiva:
Revista Coletiva: Na sua opinião, qual é o principal motivo pelo qual os pacientes estão sendo submetidos a muitos exames? Seria por escolha do paciente, da consulta médica ou pelos laboratórios que fornecem os exames?
Marco Bobbio: Há várias razões pelas quais os pacientes fazem muitos exames. Pacientes reclamam que os médicos pedem exames sem saberem do seu histórico e sem examinarem seus pacientes. Por outro lado, médicos reclamam que pacientes vão ao consultório com uma lista de exames que eles querem fazer, independente se essa lista veio de um especialista, um amigo ou da internet. Médicos e pacientes ficam desconfortáveis com a incerteza e preferem confiar nos resultados dos exames com a ilusão de obter do exame uma “imparcialidade” do estado de saúde do paciente. Infelizmente qualquer resultado de exame tem uma porcentagem de falso positivo ou falso negativo o que, às vezes, requer mais exames e tratamentos inúteis frequentemente utilizados para o resto da vida.
RC: Seria melhor evitar vários exames durante a vida? Por que?
MB: Os testes são úteis quando prescritos por razões apropriadas, mas resultados com falsos positivos produzem ansiedade, desperdício de tempo e de dinheiro. Em uma conferência recente, um médico contou a história de uma mulher de 40 anos, cujo ginecologista prescreveu uma lista de marcadores tumorais sem nenhum motivo clínico. Muitos oncologistas consideram que os marcadores tumorais não podem ser solicitados para fins de triagem, mas apenas para o monitoramento de sobreviventes de câncer após o tratamento, a fim de detectar a recorrência da doença. Uma vez que um dos testes estava ligeiramente acima do normal, a jovem ficou louca com a chance de ter um câncer e com isso ela passou alguns anos fazendo exames de sangue, passando por tomografias computadorizadas, CT e PET scans sem encontrar anormalidades. Sua vida foi destruída por um teste inútil, e, no final da história, essa paciente ainda não estava completamente tranquilizada, apesar de todos os resultados negativos. Nenhuma pesquisa demonstra que os testes de triagem podem reduzir alguma taxa de doença.