A aptidão musical de algumas pessoas, enquanto outras não conseguem cantar no chuveiro sem causar a ira dos vizinhos, sempre intrigou os cientistas. A resposta desse mistério pode estar no lugar mais óbvio: o ouvido, de acordo com uma pesquisa recente. Segundo o estudo da escola de medicina da Universidade da Califórnia, publicado na revista científica americana Science, o ouvido humano é especializado: o direito capta melhor as palavras e o esquerdo, os sons musicais. Durante seis anos, os pesquisadores fizeram testes com um aparelho que emite sons em mais de 3.000 recém-nascidos, antes que eles saíssem do hospital. Um dos sons era parecido com o ritmo de um discurso. O outro era de tons musicais. Os bebês reagiram melhor ao escutar os sons parecidos com música no ouvido esquerdo e ao ouvir sons semelhantes a conversas no direito.
As diferenças entre os lados do corpo não são novidade, mas nunca se havia percebido que isso inclui a especialização da percepção auditiva. No fim do século XIX, o médico francês Paul Broca elaborou a teoria de que o hemisfério direito do cérebro, associado à criatividade e à aptidão musical, controla o lado esquerdo do corpo. O hemisfério esquerdo, associado à capacidade analítica e à fala, controla o lado direito. Pesquisas científicas realizadas no século seguinte comprovaram que Broca estava certo. O que se vê agora, com o trabalho dos pesquisadores da Universidade da Califórnia, é que esse tipo de organização das funções cerebrais tem conexões ainda mais amplas. "O estudo mostrou que o processo auditivo ocorre primeiro no ouvido e só depois vai para os hemisférios cerebrais", diz a pesquisadora Barbara Cone-Wesson, uma das responsáveis pelo trabalho. "Desde o nascimento, o ouvido está preparado para distinguir todos os tipos de som e enviá-los para o lado correto do cérebro."
Uma pesquisa anterior tinha observado que crianças com problemas de audição no ouvido direito têm maior dificuldade de aprendizado que aquelas com problemas no ouvido esquerdo - mas faltava uma explicação para essa diferença. Outro estudo, este da Universidade Estadual Sam Houston, no Texas, havia concluído que frases com grande carga emocional, como declarações de amor e críticas, são mais bem lembradas se ditas no ouvido esquerdo. "As descobertas podem ajudar a desenvolver aparelhos auditivos específicos para captar melhor as palavras ou a música, de acordo com a necessidade do deficiente auditivo", diz a médica Yvonne Sininger, que coordenou o trabalho da Universidade da Califórnia.
Fonte: Revista Veja
29/10/04