Nenhuma doença mata mais no Brasil do que o derrame - ou acidente vascular cerebral, em linguagem técnica. Todos os anos 250.000 brasileiros são acometidos pelo mal. Deles, 100.000 morrem. De cada dez sobreviventes, quatro carregam para o resto da vida as marcas deixadas pelo derrame. Algumas são devastadoras, como paralisia de braços e pernas, perda da fala e da visão e até mudanças radicais de personalidade. Por isso, o grande desafio dos médicos não é o de apenas reduzir as taxas de mortalidade, mas também minimizar os riscos de seqüelas e diminuir a severidade delas. Essa é uma preocupação especialmente importante com o aumento da expectativa de vida da população. Quanto mais velha a pessoa, maior a probabilidade de ela ter um derrame. A boa notícia é que a medicina tem conquistado algumas vitórias nos campos da prevenção, diagnóstico e tratamento do acidente vascular cerebral. Todos esses fatores somados resultaram numa queda de 50% no número de mortes por derrame nas últimas décadas.
O derrame caracteriza-se pela interrupção do fluxo sanguíneo para o cérebro. Sem sangue, os neurônios vão à falência. Um minuto sem irrigação adequada já é suficiente para comprometer o desempenho de funções controladas pela região cerebral afetada. Depois de uma hora, se nada for feito, os riscos de seqüelas graves chegam a 90%. Por isso, o socorro a um paciente com derrame é sempre uma luta contra o relógio. Há dois tipos de acidente vascular cerebral. O mais grave é o hemorrágico, responsável por 20% dos casos. Ele ocorre quando uma artéria do cérebro se rompe e o tecido cerebral fica encharcado de sangue. Em sua grande maioria, os derrames são isquêmicos. Ou seja, resultam de uma obstrução arterial por coágulos de sangue ou placas de gordura. Os progressos médicos são marcantes principalmente em relação aos acidentes isquêmicos.
Uma das grandes novidades no combate aos danos causados por derrames isquêmicos foi registrada recentemente na revista científica americana The New England Journal of Medicine. Pesquisadores da Universidade do Texas mostraram que um paciente tem 40% de probabilidade de se recuperar dos efeitos de um derrame desses se, logo depois do acidente cerebral, for medicado com um trombolítico, remédio para desobstruir a artéria cerebral, e submetido a uma sessão de doppler transcraniano. Trata-se de um exame de ultra-som capaz de fotografar o cérebro. Ainda não se sabe explicar com precisão quais seriam os efeitos terapêuticos do doppler. A hipótese mais aceita é a de que as ondas sonoras emitidas pela máquina potencializem a ação do medicamento. Outro recurso para liberar a passagem de sangue é um aparelho chamado Merci Retriever (veja quadro). Ele funciona como uma espécie de saca-rolhas que se prende ao coágulo para removê-lo da artéria. No campo da prevenção, uma das grandes armas usadas pelos especialistas são os stents, as mesmas próteses utilizadas para o tratamento de doenças cardíacas. Com, em média, 2 centímetros de extensão e 6 milímetros de diâmetro, os stents antiderrame são implantados na carótida, a principal artéria de irrigação cerebral. Em 90% dos casos, o dispositivo conseguiu manter a carótida aberta em pacientes vítimas de estreitamento dessa artéria - o que pode levar ao derrame.
O grande marco no tratamento do derrame isquêmico foi a entrada em uso comercial, no fim da década de 90, dos trombolíticos. Administrados pela veia ou por cateterismo, esses remédios conseguem restaurar o fluxo sanguíneo para o cérebro em um terço dos pacientes. Para surtir efeito, no entanto, eles têm de ser administrados até três horas depois do derrame, no caso de a administração ser endovenosa. Quando o medicamento é levado, por cateter, diretamente ao local da obstrução, esse prazo pode ser estendido a até cinco horas. "Esses remédios apresentam ótimos resultados, mas só uma parcela insignificante dos pacientes chega a recebê-los", diz o neurologista Eduardo Mutarelli, do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. "Isso porque a maioria das pessoas não dá a devida atenção aos sintomas do derrame." A dona-de-casa paulista Chuchanig Kayaian, de 69 anos, sofreu um acidente vascular cerebral em fevereiro deste ano. Ela recebeu o medicamento a tempo de não sofrer as conseqüências mais devastadoras da doença (veja quadro).
Muita gente é acometida pelo que os médicos chamam de derrame isquêmico transitório e nem se dá conta disso. Nos "miniderrames", como o problema é popularmente conhecido, os sintomas são os mesmos que os de um derrame grave - dormências, paralisias, confusão mental e dificuldade de fala, entre os principais sinais. A diferença é que eles não duram mais do que um dia. Há uma corrente de médicos que defende que os miniderrames protegeriam suas vítimas dos efeitos mais severos de um derrame verdadeiro no futuro. Os estudos em que esses especialistas se baseiam são ainda incipientes. O que se tem por certo é que os pacientes que passaram por um miniderrame têm cerca de 15% de probabilidade de sofrer um derrame grave um ano depois.
No dia de seu aniversário
O dia 12 de fevereiro deste ano seria de festa na casa da dona-de-casa paulista Chuchanig Kayaian (foto). Ela comemoraria 69 anos. Naquela madrugada, por volta das duas e meia, Chuchanig sofreu um derrame. Ao perceber que parte de seu corpo estava paralisada, ela pediu socorro, batendo na porta de seu quarto. Um de seus filhos veio em seu socorro. Em menos de uma hora, ela recebeu na veia uma medicação para dissolver o coágulo causador do derrame. Ao sair do hospital, ela não mexia o lado direito do corpo e tinha dificuldades para falar. Hoje, a dona-de-casa já anda, fala e recuperou parte dos movimentos do braço. Sem o remédio, apostam os médicos, Chuchanig estaria sem fala e presa a uma cadeira de rodas.
Fonte: Revista Veja
06/12/2004