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A esperança nas células-tronco






No Brasil, existem seis milhões de pessoas com doença de Chagas. Em 30% dos casos, os pacientes desenvolvem uma inflamação crônica no coração e a insuficiência cardíaca leva os indivíduos à morte em dez anos. Em média, a sobrevida é de apenas um ano para quem já tem a doença nos níveis 3 ou 4 (os mais avançados), a não ser que os pacientes consigam um transplante de coração, procedimento ao qual a maioria não tem acesso.

De 18 de junho de 2003 a 10 de outubro de 2004, 25 chagásicos que estavam à espera de um transplante cardíaco foram submetidos a um outro tipo de transplante: o de células-tronco. A doença regrediu para os níveis 1 ou 2 e se mantém estabilizada na maioria dos pacientes, que voltaram a ter uma vida ativa e normal. Três pacientes faleceram meses após o transplante de células-tronco, não por causa deste procedimento, e sim devido a complicações relacionadas à própria doença de Chagas. O tratamento com células-tronco, como qualquer outro, não funciona sempre. Contudo, seu índice de sucesso chama a atenção, sobretudo quando se leva em consideração que, caso nada tivesse sido feito, não haveria esperança para nenhum paciente. A doença de Chagas não tem cura e os medicamentos hoje disponíveis ainda são tóxicos.

O primeiro paciente chagásico do mundo a se submeter ao transplante de células-tronco foi Bartolomeu dos Santos Reis que nasceu em Maragogipe (BA). Hoje, aos 49 anos, casado e pai de dois filhos. Reis é camelô e costuma vender óculos escuros na praia. Mesmo debaixo de sol forte, caminha toda a praia do Flamengo oferecendo os produtos de barraca em barraca. Não faz muito tempo ele sentia falta de ar até para falar. "Eu estava ruim mesmo, com o coração inchado", lembra. Aos 45 anos, descobriu que tinha doença de Chagas, causada pelo protozoário Trypanosoma cruzi. Provavelmente, contraiu o parasita quando ainda era criança e morava em uma casa de taipa, sem reboco, cujas paredes servem de abrigo para o barbeiro, inseto transmissor do T. cruzi.

As células-tronco se caracterizam por seu enorme potencial de multiplicação e por sua capacidade de se diferenciar em qualquer outra célula. Inicialmente, os médicos espetaram uma seringa na bacia e aspiraram material da medula óssea, aquela região esponjosa que existe dentro do osso e que é rica em células-tronco. O líquido coletado foi separado em seus diversos constituintes, de modo a se obter uma fração concentrada de células-tronco. Com o auxílio de um cateter (pequeno cano de plástico) inserido pela artéria femoral (na virilha) e conduzido até o coração, os médicos injetaram um pouco de células-tronco em cada uma das três coronárias do paciente. Todo o procedimento demorou cerca de quatro horas. Depois, um exame mostrou que a atividade da enzima troponina não aumentava, prova de que as células cardíacas não estavam morrendo. O procedimento foi realizado no Hospital Santa Izabel, da Santa Casa de Misericórdia da Bahia, pela equipe liderada por Gilson S. Feitosa e Fábio Vilas-Boas, em colaboração com o Centro de Pesquisa Gonçalo Moniz (CPqGM), unidade da Fiocruz em Salvador.

A equipe médica estava certa de que, se o procedimento não fizesse bem, mal também não faria. Isso porque não se injeta nada de estranho no paciente. São as próprias células do indivíduo que, retiradas de um lado, são depositadas em outro, o que anula o risco de rejeição e de efeito colateral.

Nos seis meses que se seguiram, Reis fez exames periodicamente e ainda hoje, mais de um ano depois, continua sob o olhar atento da equipe médica. "Sempre que sou examinado os médicos dizem que estou muito bem", conta ele, que continuou tomando os remédios a que estava acostumado. Reis tem consciência de que não está curado e ainda precisa conviver com certas limitações físicas, mas reconhece que tudo ficou mais fácil após o tratamento com células-tronco.

Reis foi um dos chagásicos que melhor respondeu ao tratamento com células-tronco. A avaliação é do médico imunologista Ricardo Ribeiro dos Santos, do CPqGM, que está à frente de uma rede de 11 instituições nacionais que estudam o uso de células-tronco no tratamento da doença de Chagas. "Fizemos todo um trabalho experimental e constatamos que as células-tronco reduzem a inflamação que existe no coração dos chagásicos, diminuem a fibrose (aquela cicatriz que envolve o músculo cardíaco dos pacientes), melhoram a função do coração enquanto bomba e melhoram também as alterações do eletrocardiograma", resume o imunologista.

Fonte: Fundação Oswaldo Cruz
12/01/2005 

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