Cirurgia inédita pode acabar com o vício do tabaco. Cientistas descobriram que danificar uma parte específica do cérebro, o córtex insular, elimina imediatamente o hábito de fumar, conforme artigo publicado na revista Science no mês passado e repercutido nos principais sites de notícias e jornais do mundo. Os autores concluíram que, ao sofrer danos nessa área, o indivíduo tem mais chances de abandonar o cigarro. A idéia dos pesquisadores é obter uma forma diferente de ajudar o fumante a largar o vício, sem machucá-lo.
Este é o primeiro trabalho científico que utiliza lesões no cérebro para estudar um vício em droga em seres humanos. O resultado da pesquisa surgiu depois que um homem de 38 anos foi submetido ao teste. O paciente fumava desde os 14 anos e, em média, 40 cigarros por dia. De acordo com o estudo, ele parou de fumar depois que a ínsula foi acometida por derrame.
A ínsula é uma região cerebral ligada à memória e às emoções, que fica no hemisfério esquerdo do cérebro. Comparativamente, é do tamanho de uma moeda grande. Cientistas informam que a ínsula bloquearia a sensação de que fumar é uma necessidade corporal. Para os pesquisadores, o valor da descoberta é importante porque permite visualizar e acompanhar a evolução dos tratamentos existentes, além de abrir caminho novo para a terapia a longo prazo.
A ínsula recebe informações de várias partes do corpo que podem ser traduzidas em sensações como fome, dor e até mesmo a necessidade de se drogar, diz um comunicado da Associação Americana para o Avanço da Ciência. Durante o estudo, foram submetidos ao tratamento 69 tabagistas com lesões cerebrais. Todos fumavam mais de cinco cigarros por dia durante mais de dois anos.
Para participar da pesquisa, deixaram o hábito por 12 meses. Do grupo analisado, 19 tiveram danos na ínsula, dos quais 13 abandonaram o cigarro. O dano em outras regiões cerebrais também afetou o desejo de fumar, embora com menos intensidade. A pesquisa foi realizada por cientistas da Universidade do Sul da Califórnia e de Iowa.
Contradições ¿ Apesar da descoberta, os cientistas afirmam que o caminho a ser percorrido é longo na luta contra o tabagismo. Uma evidência coloca o estudo em xeque: dos 19 pacientes com lesão na ínsula, cinco não deixaram o cigarro. Conforme um dos pesquisadores, Nasir Naqvi, da Universidade de Iowa, a investigação desses casos continua, a fim de saber se tais pacientes sentem ainda necessidase de fumar, informa a revista Science.
O pneumologista Marcelo Fouad Rabahi, professor de Medicina da Universidade Federal de Goiás (UFG), analisa a cirurgia como mais uma tentativa na luta antitabagista. Para ele, são necessários novos estudos, com um número maior de pacientes envolvidos, a fim de saber realmente qual a possibilidade de cura contra a dependência do fumo.
O médico duvida da pesquisa e diz que ainda não é possível eliminar o vício por meio de operação. ¿Não vejo vantagem nesse tratamento cirúrgico. Foi realizado em poucos pacientes e ainda não é recomendação aceita na comunidade científica.¿ Ele explica que a capacidade da nicotina provocar dependência parece ser mediada pelos receptores colinérgicos nicotínicos localizados na área tegumentar ventral do cérebro.
¿Não há como extirpar esses receptores.¿ Marcelo ressalta que, no caso desta operação, o cérebro não fica lesionado, apenas os receptores são estimulados pela nicotina. A pneumologista Maria Rosedália de Moraes, do Serviço de Pneumologia do Hospital das Clínicas da UFG, afirma que serão necessários outros estudos para confirmação deste trabalho. ¿Os dados são somente uma possibilidade a longo prazo e ainda não sabemos se será viável¿, diz.
A especialista explica que a nicotina é uma droga que age no sistema nervoso central (SNC) e leva à dependência com mais facilidade do que a cocaína. Além disso, existe o hábito, componente psicológico da dependência, que também contribui para a dificuldade em parar de fumar. Ela ressalta que situações associadas com alcoolismo e doenças psiquiátricas dificultam ainda mais o fim da dependência.
Fonte: Diário da Manhã